sexta-feira, 4 de março de 2016

OFICINA AUDIOVISUAL IFÁ AYÁ

por Tininha Llanos

Estar em um terreiro do axé, onde a religião afro brasileira batalha diariamente pela manutenção de um culto ancestral à mãe natureza, suas manifestações e mistérios é estar em constante processo de ensino e aprendizagem. As representações dos domínios da terra pelos orixás, para aqueles que acreditam e respeitam essas divindades, possibilitam entender melhor as características culturais, econômicas, políticas e sociais de uma sociedade como um todo. Sobre Ogum, orixá do ferro, do fogo, da guerra e da tecnologia, o mito ensina que foi o primeiro a descer à Terra do Orun e que é um guerreiro que nunca desiste, que persevera, que batalha. Sendo ele o Senhor dos metais, forja toda e qualquer ferramenta tecnológica que possibilite ganhar uma guerra. Ogum nesse caso, em uma oficina de Audiovisual em um terreiro de candomblé, é o senhor que guia e guiou do o processo.

A apresentação

Quando cheguei à ACAI em Itabuna, para dar continuidade à oficina de Audiovisual iniciada por Sara Uchoa, o “terreiro” estava todo arrumado. Faço uma analogia aqui entre “terreiro” e família, dando o sentido familiar de arrumação. Em uma casa nuclear, local em que se habita uma família, para tudo funcionar em harmonia se faz necessário organização, arrumação. A família, nesse caso os participantes da oficina, já havia definido o roteiro de produção, escolhido os papéis de cada um de acordo com suas afinidades, e elencado os temas mais necessários para serem abordados. Ao me apresentar percebi que já haviam inclusive pesquisado sobre mim e meu trabalho. Portanto, adiantei-me nas apresentações e senti algo inusitado, era como eu estivesse em casa, e fizesse parte daquela família.

A anunciação

Fizemos uma leitura de todo o material produzido, aprendi significados antes desconhecidos como : Grapiúna e Itabuna. O primeiro é um nome dado pelos sertanejos para aqueles que vivem no litoral, e no caso tornou-se uma denominação do nascido em Itabuna. E o segundo, o nome dado à cidade, tem origem etimológica no Tupi que traduz : Pedras Pretas Partidas – Ita+aba+una.

E foi no material já formulado que encontramos toda a base para o que queriam narrar em um pequeno produto audiovisual documental. Era unanime o desejo de falar sobre a importância da luta pela manutenção da cultural afro brasileira na região, contra o preconceito, o racismo, a intolerância religiosa. Estava anunciado o protagonismo Itabunense.

A visão

A turma era bem heterogenia: homens, mulheres, jovens, idosas, acadêmico, autodidata, artistas, advogada, ator… Em geral as oficinas de audiovisual costumam fechar turmas muito homogenias, mesma faixa etária, mesma origem, e isto na prática pode contar negativamente já que deixa de ter diversidade. Elaboramos um conceito e fomos para a prática, quando ao ler o nome Mário Gusmão, perguntei se seria o ator negro que protagonizou diversos filmes de Glauber Rocha. A afirmativa da turma, tal como a empolgação de todos pela personalidade, foi como uma visão poética do que viria a seguir. Enquanto a turma conhecia os equipamentos e um pouco da linguagem audiovisual, já se destacavam na turma pessoas para serem entrevistadas, e para todas as etapas de produção.

O Arquétipo

De acordo com Pierre Verger, no livro Lendas Africanas dos Orixás, o arquétipo de Ogum é o das pessoas fortes, que perseguem energicamente seus objetivos e não se desencorajam facilmente, e que, devido à sinceridade e franqueza de suas intenções, tornam-se difíceis de serem odiadas. Naquele grupo Ifá Ayá, a maioria podemos dizer, possuiu o arquétipo de Ogum. Aprenderam a manipular filmadoras, tripés, microfones, a preparar o plano de filmagem, o cenário, a maquiagem, e em pouco tempo, elaboraram textos rápidos, ensaiaram, foram proativos e fizeram seu próprio makking off.

Mário Gusmão

Ao escolhermos a figura ilustre de Mário Gusmão para significar a produção, a representação do protagonismo desejado estava garantida. O Ator Mário Gusmão, é primeiro negro formado na Faculdade de Teatro da UFBA (Universidade Federal da Bahia). “É considerado precursor dos movimentos negros de Ilhéus e Itabuna pelos militantes destes municípios. Foi durante sua estada na região, na década de 80, que surgiram várias entidades importantes para a história de luta do movimento negro. Em 68 anos de vida (1928-1996) foi intensa a produção artística de Mário Gusmão: participou de dezenas de peças de teatro, de novelas e seriados da televisão brasileira; fez dezesseis filmes, além de inúmeros espetáculos de dança. Ganhou destaque no cinema com Glauber Rocha nos anos de maior efervescência cultural do país. Atuante no movimento negro apoiou a formação dos mais tradicionais blocos afros de Salvador. Já na década de 80, revelou artistas no interior. Mas morreu pobre, consumido pelo câncer, exilado na Avenida Peixe, no bairro da Liberdade, em 20 de novembro de 1996’’. ( Fonte Wikipédia )

A união dos Terreiros

Uma característica notada e muito interessante foi a capacidade de um trabalho colaborativo tão fluido em um grupo tão heterogêneo. O diagnóstico provável pode estar na origem da cultura do candomblé, onde todos têm um papel fundamental para o funcionamento das obrigações, das festas, do equilíbrio da casa. Haviam participantes de vários terreiros, e além dos terreiros também havia pessoas de movimentos culturais e artístico, de cineclubes, grupos de teatro e dança. Naquele momento todos se uniram e formaram uma equipe. Apesar de os papéis estarem bem definidos, podíamos observar que havia um deslocamentos de interesses que possibilitaram até o final uma circulação de cada participante da oficina em uma função diferente. Isso ocorreu de forma multiplicada e foi possível mesmo assim verificar uma unidade do todo.

O produto Enfim, Todas as etapas de produção audiovisual foram realizadas dentro do tempo que tínhamos, mas com tamanho empenho que nada ficou a desejar. Os erros cometidos serviram como aprendizado e provam que se houver mais investimento no audiovisual de cada participante sem dúvidas haverá materiais cada vez melhores. O produto final é um vídeo de 12 minutos, com entrevistas históricas, encenações, música africana e muito protagonismo Grapiúna. Viva ACAI, Mário Gusmão, O povo do axé, A cultura afro-brasileira. 
Conheça:
 Mario Gusmão em terras grapiúna

Making off / Cineclube Mocamba
 Conheça o projeto visitando: http://projetoifaaya.transiente.org/

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